Cosmologia, ambientalismo, escatologia e antropocentrismo
Basta um novo terremoto, vulcão ou tempestade para que passemos novamente a ouvir que o planeta está se vingando de nós ou que se trata de um sinal dos fins dos tempos.
Normalmente, a primeira afirmação possui um caráter ambientalista e a segunda um caráter escatológico/religioso.
Ambas, contudo, partilham os mesmos vícios de origem: egocentrismo e antropocentrismo, pois representam certo tipo de cosmologia que entende que tudo acontece no mundo apenas como uma resposta para o ser humano ou para indivíduos humanos específicos.
Ainda que tais afirmações possam expressar alguma boa intenção (tentativas de criticar a postura humana contra o planeta e outras más ações típicas de nossa espécie), ao mesmo tempo reforçam a causa de muitas das más condutas dos humanos sobre a Terra, ou seja, a prática de se entender o planeta como algo que existe por causa e para a humanidade.
Trata-se de uma imposição ao planeta de uma espécie de mente humana, que pode ser, por exemplo, vingativa, ou seja, uma espécie de humanização do planeta e, portanto, uma subjugação do planeta ao modo de ser de apenas uma de suas espécies. O planeta, como se fosse um indivíduo pensante, nos analisa e nos pune, usando suas mais pesadas energias para isso. Nessa cosmovisão, o planeta passa a ser um ente consciente focado nas ações humanas, e os humanos, assim, passam a ser o centro do mundo, com toda a natureza ocorrendo em sua função.
Dessa forma, discursos ambientalistas podem reproduzir uma cosmovisão errônea e potencialmente geradora de destruição ambiental e opressão dos animais.
No caso do discurso escatológico, cada novo terremoto, vulcão ou tempestade é entendido como o ponto de partida de um apocalipse catastrófico, o que, além de uma leitura frágil sobre as dinâmicas naturais, também é uma humanização das mesmas.
Há poucos séculos, conseguimos avançar de uma visão geocêntrica para uma visão heliocêntrica e, depois, aceitamos que nosso Sol é também mais uma estrela dentre bilhões de nossa Galáxia que, por sua vez, é, também, mais uma dentre bilhões (talvez dois trilhões) de galáxias. Contudo, os mais pesados de nossos centrismos permanecem: o antropocentrismo e, mais ainda, o egocentrismo, que lhe é correlato, mas mais forte.
Nosso egocentrismo é tão forte que nossos códigos morais, mesmo quando bem intencionados, consideram apenas aqueles que são parecidos conosco como seus merecedores: os humanos. Mais além, entre os humanos, é comum ver-se aqueles que mais se parecem conosco (fisicamente ou culturalmente) como mais importantes que os demais e, ainda mais além, na raiz das cosmologias hegemonicamente vividas, as pessoas tendem a ver a si mesmas como o centro do Universo, aquilo que dá sentido para a existência de tudo o que existe.
Ao se entender o mundo a partir de tal cosmovisão egocêntrica, cria-se a impressão de que todo o Universo e, especialmente, nosso planeta (incluindo-se aí os minerais, vegetais, animais etc.) existem apenas para satisfazer as finalidades materiais e espirituais de cada indivíduo, e que os processos naturais são, por consequência, sempre uma resposta consciente (de bonificação ou penalização) aos comportamentos humanos: uma expansão do egocentrismo e do antropocentrismo para escalas geológicas e astronômicas.
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