Ética Baseada em Dados: sobre a importância do raciocínio moral com inputs científicos

 


Ética Baseada em Dados:

sobre a importância do raciocínio moral com inputs científicos*

Iniciemos nossa reflexão emprestando os termos usados pelo psicólogo James Rest em seus estudos sobre os processos envolvidos em nossa moralidade: “segundo Rest (1992), o comportamento moral ou ético depende de quatro tipos de processos psicológicos: a sensibilidade moral, o raciocínio moral, o comprometimento moral e a perseverança moral” (REIS, 2007, p.37).

Definamos um pouco melhor:

A sensibilidade moral é a capacidade de reconhecer uma questão como um problema moral [...].O raciocínio moral é um processo de pensamento sobre os comportamentos mais adequados perante determinadas questões éticas [...].O comprometimento moral consiste na opção por uma determinada ação ética em detrimento de outras ações consideradas não-éticas [...]. A perseverança moral consiste na força de carácter e na tenacidade necessárias à concretização das decisões pessoais. (Ibid., p.37-38).

          O “raciocínio moral”, portanto, pode ser entendido como a necessidade de pensarmos sobre nossos comportamentos de modo a conseguirmos distinguir quais deles são mais ou menos adequados perante cada situação particular. Consequentemente, cabe considerar que quanto mais apurado for tal raciocínio e sua capacidade para discernir sobre a adequação ética de certo comportamento, melhor tende a ser a ação do indivíduo que teceu tal raciocínio.

          Em suma, precisamos nutrir a mente que raciocina com bons dados (bons inputs), para, com eles, executarmos bons raciocínios (processamento) e, então, gerarmos bons comportamentos (bons outputs).

Se considerarmos que as ciências podem nos fornecer informações sobre o mundo com graus elevados de confiabilidade, torna-se uma boa aposta que o conhecimento científico (o que inclui as metodologias científicas para a obtenção, tratamento e análise de dados) poderia servir como fornecedor de informações sólidas para que o raciocínio moral possa operar com maior qualidade em nossa mente, gerando comportamentos com maior acurácia ética.

É claro que nem tudo o que é produzido sob a chancela das instituições de pesquisa científica é confiável e verdadeiro, e  conclusões científicas não se convertem automaticamente em conclusões éticas, pois são formas de conhecimento que demandam diferentes arcabouços intelectuais para serem realizadas. Contudo, parece-nos correto e promissor afirmar que boas conclusões científicas podem ser bons inputs teóricos para que um bom algoritmo moral opere em nossas mentes e possa gerar bons outputs práticos - bons comportamentos, especialmente considerando que mesmo que as ciências não sejam totalmente confiáveis, são ao menos as mais confiáveis das fontes possíveis para se compreender o mundo concretamente e materialmente existente.

Assim, o conhecimento científico poderia ser de grande auxílio, especialmente na passagem da sensibilidade moral para o raciocínio moral, servindo como embasamento para que pessoas com inclinação ao comprometimento moral, bem como à perseverança moral, possam tomar decisões de ordem ética com maior grau de assertividade e coerência.

Em suma:

(a) se possuímos sensibilidade moral, identificamos a necessidade de respeitarmos a todos os seres e ambientes da melhor forma possível;

(b) para bem respeitar um ser ou um ambiente, é essencial conhecermos as características e necessidades de tal ser ou ambiente;

(c) as ciências/as metodologias científicas para a obtenção, tratamento e análise de dados tendem a ser boas fontes de conhecimento;

(d) as informações geradas pelo tratamento científico dos dados podem servir como fontes para alimentar nosso raciocínio moral;

(e) um bom raciocínio moral pode transformar a sensibilidade moral em ações moralmente dignas;

(f) ações moralmente dignas podem aprimorar e reforçar nosso comprometimento moral e nossa perseverança moral.

 Nossa aposta, portanto, é que o conhecimento científico e a análise científica de dados podem nos ajudar a criarmos comportamentos moralmente mais nobres. Acreditamos que a união entre razão, ciência e foco no sofrimento e bem-estar de todos os seres conscientes pode trazer bons frutos do ponto de vista ético.

Exemplos de raciocínios morais realizados a partir de dados sólidos e conclusões científicas já povoam as discussões éticas contemporâneas. Um exemplo é a ética relacionada aos animais, expressa no veganismo, pois a certeza científica sobre a senciência dos animais (e, portanto, sobre diversas formas de sofrimento por eles experienciadas) faz com que suas reflexões de cunho moral ganhem um contorno objetivo e coerente.

Outro exemplo é a ética ecológica ou ambiental, na qual as descobertas científicas sobre o resultado das diversas ações humanas sobre as dinâmicas naturais (descobertas que exigem árduos estudos e análise de imensas quantidades de dados complexos) embasam a reflexão ética sobre o modo como o ser humano se insere ou deveria se inserir nas teias de relações ecossistêmicas.

Assim sendo, a união entre razão, ciência/análise científica de dados e foco no sofrimento e bem-estar de todos os seres conscientes é de enorme valia para que possamos almejar alcançar a maturidade de uma ética racionalmente aprimorada e constantemente burilada a partir de referenciais sóbrios e confiáveis sobre o que gera sofrimento ou conforto para todos os envolvidos em nossas redes de coexistência e interdependência.

Referências bibliográficas

REIS, Pedro. O Ensino da Ética nas Aulas de Ciências Através do Estudo de Casos. Revista Interacções, Santarém, Portugal,  v. 3, n. 5, 2007. Disponível em: https://revistas.rcaap.pt/interaccoes/article/view/327/283. Acesso em 21 jul. 2021.

 

 * Revisão de excerto de monografia apresentada em 2021 para a obtenção do título de especialista em Ciência e Tecnologia pela UFABC sob o título "A contribuição das ciências para o aprimoramento ético da relação entre humanidade e natureza”. 

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