Os Porcos Gadarenos

  


Hoje, em meu trabalho, participei de uma oficina de escrita. O professor pediu que escrevêssemos um pequeno conto em cinco minutos. Ele deveria conter um personagem humano e outro animal, sendo um o protagonista e outro o antagonista.
Escrevi:

Os porcos andavam tranquilamente em um dia de Sol.
Assustaram-se, então, com os modos obtusos daquele homem em prantos.
Quando deram por si, era tarde: o messias já havia operado e estavam caindo do precipício.

Em seguida, o professor requereu alguns dos textos para ler em voz alta. Disponibilizei o meu. Após sua leitura, a turma riu muito, agraciada pelo desfecho.
Tal riso me soou estranho ou insensível com o desespero dos porcos. Não compreendi o motivo das risadas. Tal incompreensão, contudo, durou poucos segundos, apenas até alguém dizer: “o título poderia ser oito de janeiro!”.
Entendi: associaram porcos com bolsonaristas e o messias com o Jair Messias. Nesta chave de leitura, adoraram o texto.
A narrativa foi escrita para colocar os porcos como protagonistas e os humanos como antagonistas, em uma lógica não especista. Contudo, o termo “porcos” foi transformado em um xingamento para inimigos políticos, um uso especista da palavra.
Talvez a falta de referência sobre a história dos porcos gadarenos tenha atrapalhado a compreensão dos colegas de oficina, mas, mais do que isso, havia uma desconsideração generalizada em relação ao sofrimento dos porcos, vítimas do ocorrido. Como se ri após imaginar a cena de seres sencientes caindo no abismo?
Tal desconsideração não apenas obliterou os porcos na interpretação do conto, mas constantemente oblitera porcos reais e sencientes na transubstanciação de seus corpos em linguiça, presunto ou bacon.

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