Veganismo: da natureza para a ética


Somos animais. Assim sendo, desde nossa origem neste planeta, tentamos sobreviver enfrentando diariamente a luta pela vida.

Com tal fim, aproveitando nosso aparelho digestório apto ao onivorismo, começamos a comer animais há mais de dois milhões de anos. Nada mais normal em uma natureza brutal estruturada sobre o ato de devorar aos demais para se manter vivo.

Contudo, ainda que, do ponto de vista da manutenção do corpo, sejamos seres naturais, há algo que nos diferencia de outras espécies: algo que fez com que tenhamos começado a achar que não podemos obter nossas necessidades pegando objetos de pessoas que não os tenham nos dado, que não devemos satisfazer nossos desejos sexuais apenas pegando outras pessoas à força ou que não deveríamos matar outras pessoas apenas por fazerem parte de um grupo originário de outro território. A esse algo, costumamos chamar de ética.

Derivada da mesma consciência privilegiada que gerou a ética, desenvolvemos também ciência sobre o mundo, e, neste processo, descobrimos o fato de que diversas espécies de animais são, assim como nós, sencientes, ou seja, não apenas possuem percepção do mundo externo (sensibilidade), como possuem as plantas, mas também possuem alguma consciência sobre tal percepção. Essa união entre sensibilidade e consciência faz com que os animais sejam capazes de sofrer, possuindo diversas emoções, como medo, alegria e tristeza, e sentimentos, como relações de amor, saudades e depressão.

Tais conclusões, indubitáveis para a ciência contemporânea, ao atingirem as estruturas cognitivas nas quais processa-se a ética, podem gerar um alargamento das fronteiras de nossas considerações morais, isto é, podemos passar a nos perguntar questões do tipo: 


a) Por que entendemos com tanta diferença uma dor gerada em humanos e uma dor gerada em um animal não-humano? Em outras palavras, por que costumamos encarar com normalidade diversas coisas feitas aos animais que seriam julgadas como absurdas se feitas aos humanos?


b) Que direito temos de tratar animais não-humanos como propriedades nossas, como objetos disponíveis para a satisfação de nossos desejos e necessidades?


A proposta ética conhecida como veganismo responde tais perguntas apontando que:


a) Gerar dor em um ser senciente é errado, e isso independe da espécie do ser. A pretensa normalidade de todo tipo de violência infligida aos animais é uma espécie de miopia moral: trata-se de uma visão não especista.


b) Não temos o direito de tratar os animais como nossas propriedades, como nossos escravos: trata-se de uma visão abolicionista.


A lógica defendida pelo veganismo, portanto, é a mesma que diferencia aquilo que é aceitável fazer com seres humanos ou com pedras. Seres sencientes não são coisas e não podem ter suas existências apropriadas por nós.

O veganismo é uma opção ética, e a ética é uma criação da mente humana para que possamos tentar viver de forma menos violenta do que se seguíssemos a “lei” da natureza, a busca pela autossobrevivência a qualquer custo. Assim, ser vegano é uma sequência da evolução da consciência humana, uma continuidade da objeção ao roubo, ao estupro, à escravidão, ao assassinato etc., apenas aplicando tais objeções a seres sencientes de outras espécies.

Desta forma, o veganismo é apenas uma aplicação lógica dos mesmos princípios morais que já estruturam nosso padrão de civilidade. Não é algo tão revolucionário e discrepante de nosso aparato cognitivo comum como muitos fazem parecer.

Para o veganismo, em suma, basta aplicarmos a ética e a ciência que já possuímos. Nada tresloucado. Apenas razão e ética básicas.

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