Sobre a hipertrofia da política e a hipotrofia da ética

 


Vivemos tempos ultrapolitizados. Termos como esquerda, direita, socialismo, comunismo, liberalismo e conservadorismo tomaram conta do debate público, dos botecos e das refeições familiares, ainda que normalmente sem a devida compreensão de seus possíveis significados.

A política trata das possíveis formas de organização de uma sociedade. A reflexão política, portanto, é constituída pelas diferentes opiniões sobre quais formas de organização seriam mais efetivas para que indivíduos e coletividades alcancem melhor seus objetivos.

Há, contudo, aí, um entrave, pois é preciso primeiramente que indivíduos e sociedades reflitam sobre quais objetivos seriam desejáveis antes que se reflita sobre qual forma de organização social seria mais efetiva para alcançá-los.

Tais objetivos, considerando que eles devem apontar para a melhor vida possível para indivíduos e coletividades, encontram-se, primordialmente, no domínio da reflexão ética.

O ponto de partida de nossas discussões deve ser, portanto, de cunho ético, ou seja, relativo a como diminuir os impactos negativos de nossas ações e o sofrimento gerado por nós, por nossos costumes e tradições ou mesmo pelas dinâmicas naturais.

A ética, assim, deve ser anterior e superior à política. Reflexões políticas realizadas como pontos de partida, e não como consequências de reflexões éticas, tendem a tornar-se inúteis ou maléficas: inúteis quando representam apenas discussões vazias, por não possuírem um objetivo claro, e maléficas quando impõem ao mundo formas de organização que oprimem os indivíduos e as sociedades em nome de pretensos e obscuros paraísos futuros sem real ancoragem ética.

A ética, como discussão primordial, deve, por sua vez, embasar as leis, pois são elas que podem tentar fazer as pessoas agirem de maneira eticamente aceitável quando tal impulso não parte dos próprios indivíduos.

A política entraria apenas aí, como decorrência da ética e das leis, como tentativa de se organizar a sociedade de forma a tornar as reflexões éticas (abstratas) e suas decorrências teóricas, as leis, em realidade concreta.

A política deve ser, portanto, a concretização da ética (e de seu fruto, o direito). Assim sendo, a política é subalterna à ética e ao direito.

A hipertrofia das discussões políticas sem forte ancoragem ética e a óbvia periferização das discussões propriamente éticas (que não são apenas a repetição de dogmas morais de ideologias e tradições) mostram o tamanho da confusão em que nos encontramos.

A discussão política na qual a política sobressai-se à ética revela apenas a busca obstinada por poder, e não a tentativa de arquitetar-se formas de tornar concretas as conclusões de discussões éticas firmemente embasadas.

O que temos chamado de política nada mais é do que a defesa de certas estratégias dos seres ocos e sedentos por poder que cada membro da sociedade decide adotar e sustentar: despejo de ração de ouro no aquário dos demônios famintos.


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