Relevância ética da atenção, da imaginação e da razão


 Relevância ética da atenção, da imaginação e da razão

Atenção, razão e ética

Um código moral, por melhor que seja, nunca dará conta de todas as situações da vida e não gerará atos eticamente aceitáveis se o usuário do código não estiver atento para bem aplicá-lo quando for a situação adequada. Devemos ser capazes de, na velocidade da vida real, tomarmos as melhores decisões possíveis, que, muitas vezes, incluem termos que rapidamente pesar diversas variáveis. Isso requer atenção e uma mente bem operante.

Atenção e razão devem caminhar juntas e estarem sempre presentes e operantes em nossas mentes.

Devemos perceber as coisas como elas são e organizá-las logicamente, racionalmente, de modo a gerar ações moralmente dignas que dialoguem com o mundo realmente existente. Se assim não for - como quando, por exemplo, segue-se cegamente certo código moral de uma tradição ou ideologia - abre-se espaço para existências de natureza absurda, nas quais se pode ser imoral em nome de certa moralidade.

 Quando isso acontece, mascara-se a realidade com as cores e tentáculos de certa visão de mundo pré-determinada, de modo que nos perdemos enredados em redes linguísticas e conceituais que suplantam o mundo, e o mundo perde-se, soterrado por nossas toneladas de pseudoverdades, vaidade e hipocrisia.

O desenvolvimento da habilidade da atenção é, portanto, algo de extrema importância para que possamos viver nossos mundos pessoais e o mundo coletivo concretamente existente de forma consciente e moralmente aceitável.

Como desenvolver relações dignas com os demais entes do mundo se nem percebemos com alguma acurácia os envolvidos nessas relações, se não percebemos aos outros e suas necessidades (às vezes, nem mesmo suas presenças)?

Até a compaixão, ou seja, o ato de perceber e sentir o sofrimento alheio, é um exercício mental de estabelecimento de relações, de comparações, já que trata-se de perceber que um outro ser, ao sofrer alguma ação, poderá sentir o mesmo sofrimento que aquele que o observador conhece nele mesmo. Logo, a compaixão é um movimento da razão. Mesmo nossas emoções, portanto, podem ser racionalmente embasadas. Nossos ódios, medos, antagonismos ou preconceitos devem passar pelo escrutínio cético da razão. Certamente, muitos deles morrerão. Compaixão e razão devem habitar no interior das mesmas fronteiras, de modo que seus meandros se cruzem.

Como apontado anteriormente, para agirmos da melhor forma possível, não basta decorarmos um código de conduta. Mesmo que ele seja bom, sem atenção e racionalidade, não se saberá quando e como aplicá-lo. Devemos ser capazes de, racionalmente, tentar tomar a melhor decisão possível a cada nova situação. Para que isso ocorra, é imprescindível percebê-la com nitidez e reconhecer seus detalhes e sutilezas.

O desenvolvimento ético de nossas cosmovisões e de nossa sociedade requer, então, o aprimoramento de nossa habilidade de estarmos atentos e tomarmos decisões de forma racional. Para isso, tanto o desenvolvimento da atenção, quanto da racionalidade devem ser preocupações fundamentais de nossos processos educativos.

 

Imaginação e atenção como habilidades complementares

A atenção, contudo, não é suficiente. Se a atenção nos permite experienciar o mundo de forma mais plena, a imaginação nos permite ampliá-lo. Se a atenção nos permite perceber melhor as paisagens, a imaginação nos permite melhor interpretá-las. Se a atenção nos permite perceber melhor as coisas como são no momento presente, a imaginação nos permite perceber o que está além, nos colocar no lugar daquilo que não captamos diretamente pelos sentidos (como exemplo, o que se passa na experiência de outro ente que não nós, o que se passa nos processos da natureza ou qual pode ser a consequência futura de um ato presente).

A atenção nos permite imaginar com mais profundidade, nos alimenta de elementos para tal, assim como a imaginação aumenta a quantidade de elementos para os quais podemos nos atentar. Atenção e imaginação, portanto, são habilidades complementares.

Para aprofundar a consciência que possuímos sobre “o mundo”, sobre os lugares, é imprescindível não apenas estarmos atentos (podermos perceber os fenômenos/relações com acuidade), mas também podermos conjecturar para além da paisagem imediata e conseguirmos, de alguma forma, nos colocarmos no lugar da alteridade, conseguirmos ver a nós mesmos fora do centro do mundo no qual nossa percepção é central. Tais esforços são de princípio imaginativo.

 

Educação da atenção e da imaginação

A imaginação e a atenção podem ser vistas, portanto, como fundamentais para um bom processo educativo, na medida em que podem levar o ente a novas percepções, a novas estruturações mentais e a insights transformadores de cosmovisões.

Tornarmo-nos mais atentos é talvez a tarefa mais importante que devemos assumir para melhorarmos a nós mesmos e ao mundo que nos rodeia. Sermos capazes de bem imaginar, aprimora tal esforço.

A educação, escolar ou não, precisa ter estes pressupostos em seus fundamentos. Todas as formas de conhecimento devem nos ajudar na tarefa de melhor conhecer ao mundo, aos outros e a nós mesmos para que possamos aprimorar nossa habilidade de respeitar, o que faz com que toda forma de conhecimento deva nos ajudar em nosso desenvolvimento ético. Ou seja, a educação deve possuir um caráter cosmológico e uma forte ancoragem ética, sendo uma porta para o aprimoramento dos indivíduos e da sociedade.

 

Fronteiras e meandros

A realidade é complexa, multifacetada, cheia de meandros. É preciso saber estar atento. A atenção deve ser treinada para perceber tal complexidade. Precisamos de uma atenção que saiba navegar por meandros sem perder o foco, respeitando fronteiras e meandros.

A atenção aprofunda-nos no aqui e no agora. A imaginação nos permite irmos além, para o ali, para o ontem e para o amanhã. É preciso sabermos viver o eu e o outro, o instante e a eternidade.

A razão pode ser a cola de tal amálgama complexo, de modo que os meandros não invadam as margens, destruindo as fronteiras, quando estas fizerem-se necessárias.

Nem todo meandro que destrói fronteiras torna-se oceano. Costumeiramente, torna-se no máximo um lamaçal. Razão, atenção e imaginação devem irmanar-se. Daí, pode brotar a sabedoria necessária para a vivência de uma cosmovisão eticocêntrica, algo a buscarmos com afinco. 

Dennis Zagha Bluwol, 2020


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