Nossa relação com os animais a partir de uma cosmologia eticocêntrica

 

Façamos um exercício utilizando a cosmovisão proposta em nosso último ensaio (Cosmologia Eticocêntrica) para refletir sobre a relação entre humanos e animais não-humanos:

Passo 1 (epistemologia): 

a) Percepção atenta do mundo tal como ele se mostra:

Ao observarmos com honestidade as demais espécies animais da natureza, percebemos comportamentos semelhantes aos que conhecemos em nós: fuga da dor, ansiedade frente ao perigo, cuidados com seus próximos etc., além de aparentarem expressar diversas emoções iguais às nossas.

b) Filtragem lógica dos dados obtidos pela atenção:

Ao estudarmos tais animais e seus comportamentos, passamos a saber que muitos deles possuem sistema nervoso central, sentem sensações como dor e prazer e têm a capacidade de compreender algo das experiências pelas quais passam (são sencientes). Além disso, realmente possuem emoções e, por vezes, comportamentos sociais complexos e uso de linguagens. Em suma, independentemente do nível de raciocínio que possuem, animais são capazes de sofrer.

Passo 2 (ética): 

Se os animais são sencientes e capazes de sofrer (e isso já é uma verdade científica), devemos estruturar nossas ações de modo a evitar ao máximo a geração de sofrimento a eles. A proposta conhecida por veganismo é um exemplo de aplicação dessa conclusão moral.

Passo 3 (direito):

Se os animais são sencientes e devemos parar de torturá-los, as leis devem proibir qualquer prática que contrarie tal conclusão.

Passo 4 (política):

A política deve, além de criar as leis eticamente embasadas, colocá-las em prática. No caso de nosso exemplo, deve gerar o quadro legal que faça com que animais não sejam escravizados e torturados, além de certificar que tal quadro seja respeitado.

Como exemplo, em nossa democracia representativa, um governo nunca deveria impulsionar, por exemplo, a pecuária.

No nível político dos cidadãos, ou seja, das relações sociais, essas devem se dar respeitando os princípios éticos e as normas deles derivadas. Pessoas não deveriam patrocinar a exploração de animais individualmente nem criar situações coletivas para tal (churrasco, rodeios, zoológicos etc.).

Passo 5 (economia):

Se precisamos comer, nos vestir, nos tratar e ter algum lazer, a produção e a troca de mercadorias devem existir, mas sempre respeitando estritos princípios éticos e ecológicos. O que disso fugir deve ser coibido pela política baseada no direito, além de ser boicotado pelos consumidores.

Aos consumidores, que são parte central dos processos econômicos, cabe a escolha de produtos que evitem a exploração dos animais e a destruição de seus habitats naturais. Além disso, devem tentar consumir de forma limitada, para reduzir o impacto que geram sobre os ambientes, o que, na prática, também representa sofrimento aos animais silvestres.

O princípio moral de não agredir os animais sencientes seria ferido tanto pelo consumo de partes de animais mortos quanto pelo consumo desenfreado de produtos derivados da exploração de matéria-prima e geradores de diversos tipos de poluição ambiental. Como a ética é soberana sobre a economia, isso força um alargamento da prática vegana em direção a uma prática ecovegana, ou seja, que se respeite tanto os animais como indivíduos, não os escravizando, oprimindo e consumindo, como também o ambiente coletivo do qual os indivíduos sencientes dependem para sobreviver.

Passo 6 (estética):

O simples fato de que essa sequência de opções e ações visa reduzir a geração de sofrimento, torna-a virtuosa e, portanto, nela reside beleza. Tal beleza, nesses moldes, precisa ser cultuada.

A arte pode expressar tal beleza ou expor a feiura de seu oposto.

Em suma

Sem meandrar quando fronteiras são precisas, a cosmologia eticocêntrica revela a necessidade moral da prática ecovegana.

 

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