Omelete de domingo: uma memória familiar (crônica)


Muitas vezes, no início de minha adolescência, entre 12 e 13 anos de idade, meus pais deixaram-me na casa de meus avós para passar o final de semana. Um dos momentos que eu mais gostava era o almoço de domingo, quando meu avô levava-me para a cozinha para fazermos juntos um omelete. Omelete de queijo e presunto, normalmente. Era um grande momento em família. Um de meus preferidos, no qual meu avô instruía-me com dicas de higiene e de manipulação dos alimentos.

Meu alegre momento em família, vim a saber alguns anos depois, era, em realidade, um momento de destruição de famílias. Destruía-se famílias de galinhas, aprisionadas e escravizadas, cujos ovos, a maneira pela qual reproduzem e geram famílias, eram roubados. Destruía-se famílias de vacas, aprisionadas e escravizadas, cujos filhos, necessários para que produzam leite, eram roubados e muitas vezes mortos ainda infantes. As mães eram então novamente engravidadas à força, e seguiam como máquinas produtoras de leite para o humano deleite, até que, quando diminuíssem a produção, fossem também abatidas. Destruía-se famílias de porcos, que, após aprisionamento e engorda, seguiam para o cruel abatedouro.

Quantas famílias foram dilaceradas a cada tarde de domingo? Quanto sofrimento gerava nossa alegria?

O tempo passou. Meus avós, ao contrário dos porcos, das vacas, das galinhas, dos frangos, dos peixes e de mais uma enorme gama de espécies exploradas pela humanidade, puderam morrer idosos e por causas naturais. As famílias de porcos, galinhas, vacas, galinhas, frangos, peixes etc., seguem, contudo, escravizadas e, comumente, tendo seus membros assassinados ainda na juventude.

A família humana, por sua vez, segue soberana, expandindo seu reinado hedonista.

Observação:

A consciência sobre a questão dos animais na geração de meus avós era rara, ainda que presente na humanidade há milênios. A ideia de veganismo e seu crescimento como movimento mundial têm apenas algumas décadas (iniciou-se na década de 1940). Nossa geração, contudo, não tem desculpas. As informações sobre a senciência dos animais e o que passam como animais de consumo ou como vítimas de nossa destruição ambiental são amplamente divulgadas e conhecidas. O veganismo já é uma realidade acessível. Nossos avós podem até ter suas culpas atenuadas. Nós, não mais. Como disse o neurocientista Philip Low, um dos responsáveis pela pesquisa apresentada em Cambridge em 2012 provando a presença de consciência nos animais, não é mais possível dizer que não sabíamos. Nossa culpa não pode mais ser atenuada e nossos afetos não podem mais, em nome da justiça e da ética, continuarem os mesmos.


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