Veganismo: do abolicionismo ao hedonismo (2020)



Veganos não falam mais tanto assim de animais.  Veganos falam de detox, de dietas de astros da música pop, das novas opções de hambúrguer vegetal de um grande abatedouro, do novo sanduíche lactovegetariano de uma rede de fast food de cadáveres grelhados no fogo desde 1954 e, especialmente, de qual “rolê vegano” haverá neste final de semana. Vegano quer se empanturrar. E isso basta.

          Empresas exploradoras de animais percebem o fluxo do mercado e criam opções veganas. Veganos sentem-se gratos em fazer-lhes propaganda gratuita. Sites veganos divulgam a benesse. Grupos veganos a certificam. Veganos correm aos hipermercados, cruzam rapidamente o corredor dos cadáveres em exposição – quem sabe soltando um vaidoso “go vegan!” – atrás da grande novidade.

          Veganos falam de rolês. Veganos têm muitas opções de rolês. Veganos podem se encontrar e curtir a life num rolê veg.

          Veganos agora piram em lanchonetes de sanduíches de cadáver e marcas de alimentos à base de secreção mamária de vaca estuprada com opções veganas... “Ei, gente do face, no mercadão do seu Zé já tem!!! Corram!”.

              Veganos querem mostrar que são cool. Vegano agora é plant based e comportado.

          Veganismo de segunda-feira, veganismo detox, jantinha vegana na casa da galera da facul... veganismo tornou-se, assim, mais uma opção entre a miríade de opções do mundo contemporâneo. Ou melhor: entre o panteão de opções, já que as opções tornaram-se as deusas de nossa sociedade, deusas que realizam o maior de nossos desejos: o de poder escolher a deusa-opção que melhor me convier a cada momento, que melhor bajular o meu impermanente umbigo.

          Veganos querem ser aceitos no churrasco da família mostrando o novo presunto veg da nova empresa bacanuda. Veganos não são mais os arautos do abolicionismo da escravidão animal. E não porque alguém tenha tomado esse lugar, mas porque os veganos saíram desse lugar. Veganos quiseram ser aceitos pela sociedade carnista. E foram. Veganos passaram a falar em “opção plant based no cardápio”. E a ganharam. Veganos quiseram produtos veganos. Obtiveram e aceitaram, mesmo que de empresas carnistas.

          Veganos assistiram (aí, alguns impulsionaram e outros criticaram) o veganismo tornar-se apenas mais uma opção alimentar, sem forte ancoragem ética (pois princípios morais não são alterados entre cada refeição), a fazer parte do grande menu contemporâneo. E agora é isso que são.

Café da manhã? Hum... sou crudívoro... detox, sabe? No almoço, acho que hoje vou de veganismo, porque no final de semana abusei... No lanche uma barrinha de cereal, porque ajuda... Na janta? Hum... só um peitinho de peru e um queijinho branco, porque amanhã tem a feijuca do Osmar.

          Veganos não chocam mais. Não são um problema. Foram aceitos. Convivem alegremente com o status quo carnista. Vivem felizes em seus castelos de consumo "plant based" enquanto o holocausto perdura.

    Depois de se empanturrar e sorrir, resta apenas jogar as embalagens na casa das tartarugas.

    Hey galera, e se nos trombarmos no Burger King? Aí tem lanche pra todo mundo!

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