Instituto Royal: equívocos argumentativos
Instituto Royal: equívocos argumentativos
Opiniões
contrárias ao ato de libertação animal realizado no Instituto Royal nesta
última semana têm sido publicadas tanto por
indivíduos em redes sociais quanto por algumas pessoas da mídia. Tais opiniões
não divergem muito. Há alguns argumentos que se repetem e é sobre eles que teço
abaixo alguns breves comentários. Utilizarei como base uma coluna[1] de 18/10/2013 de uma figura conhecida na mídia dita conservadora,
Reinaldo Azevedo da revista Veja, que fez o favor de sistematizar a maioria dos
preconceitos contra tal situação em um único texto.
Comecemos
com um dos argumentos mais utilizados contra o movimento de oposição aos testes
em animais: “Santo Deus! Usar os bichos para testar vacinas e remédios é o
caminho para não usar humanos — nesse caso, os limites éticos são muito mais
estreitos”.
Aí está o
“x” da questão, senhor Reinaldo. Esta é a questão de fundo: por que os limites
éticos para humanos e para animais são tão diversos? Apenas porque se trata de
quem faz ou não faz parte de nossa própria espécie? Se assim for, esta é uma
discriminação tão infundada e condenável quanto as que tratam diferentemente
seres humanos por suas cores de pele, por suas etnias, por seus gêneros –
racismo, sexismo, machismo, xenofobia... No caso, chama-se especismo. Ou seria
porque elegemos certas habilidades, como a razão nos moldes humanos (em certo
molde humano, moderno, científico), ou a capacidade de escrever poemas ou a de
compor sinfonias como as mais dignas de serem consideradas para valorar um
animal? Ou ainda porque parece – assim nossa ciência concebe - que nossa
memória é mais duradoura que a de outros animais e conseguimos gerar imagens
mais complexas de nós mesmos, com lembranças, sonhos e planos de futuro? Em
suma, o que justifica tamanha alteração nos princípios éticos quando se trata
de animais humanos e demais animais? Para ir direto ao ponto, o que isso tudo
tem a ver com o fato de que estes animais sofrem? Sofrem dor, sofrem o cárcere,
sofrem a escravidão, o não poder viver sua própria vida em liberdade, escolher
o que fazer, escolher sua comida, caminhar...
Estas
questões, do sofrimento e do interesse na própria vida, são anteriores a todas as discussões sobre
se é necessário ou não testar em animais. Há questões de natureza ética a se
resolver antes de irmos às implicações mais pragmáticas.
Basta
pensar: se no lugar de animais fossem usados escravos humanos, seria aceitável,
dado o “valor inestimável da produção de novos medicamentos e cosméticos”?
Creio que não. Então voltamos aos questionamentos do parágrafo acima. Mostre-me
um argumento válido para o porquê de tamanha diferença de julgamento.
Reinaldo
Azevedo diz ainda: “Podemos achar isso uma barbaridade. Podemos achar isso
uma crueldade. Nosso coração pode ficar trincado de dor. Mas é assim que se
salvam vidas. É assim que a humanidade sobreviveu — inclusive para amar os
animais”. É assim que se salvam vidas? Tirando vidas? Onde está a lógica
neste argumento? Ah, sim, lembrei, é porque ele, assim como a maior parte da
humanidade, considera que ser vivo – especialmente quando se trata de questões
éticas – é uma exclusividade do ser humano.
E falando
em lógica, o mesmo colunista diz, para rechaçar os defensores dos animais: “É
claro que eles têm um argumento forte, que remete ao coração, precisamente
naquela parte do nosso coração que rejeita todos os alertas do cérebro”.
Esta é uma visão arrogante comum nos argumentos contrários aos defensores do
fim da escravidão animal: a de que quem não pensa como eu, não pensa. A de que
são apenas um bando de sentimentaloides que não conseguem ver as questões pragmáticas
e concretas do mundo, que vivem em um mundo de contos de fadas. Peço mais uma
vez, senhor Reinaldo, que apresente argumentações éticas que justifiquem
prender e torturar um ser senciente contra sua vontade (na verdade mais de uma
centena de bilhões anualmente, considerando também a indústria alimentícia)
para servir aos interesses de outros seres. Cadê a tua lógica?
O próprio
colunista nos mostra como funciona sua lógica: “E agora para encerrar mesmo:
eu me opus, e me oponho ainda — para escândalo de muitos; lamento, não consegui
vencer o óbice ético —, à liberação de experiências com embriões humanos”.
Ou seja, é contra experiências com embriões humanos, mas é a favor de
experiências com animais nascidos, formados, vivos. É óbvio que se trata apenas
de um tipo de xenofobia moral. Quem não é da minha espécie que se dane. E os
defensores de animais é que são acusados de não pensar.
Creio
haver nesta discussão, além do especismo, um conformismo: já temos o pretenso
benefício, então não podemos perdê-lo. Deve ter sido o mesmo com o fim da
escravidão humana. Ai, meu deus! Agora quem vai capinar a roça?!
Fora
isso, também faz-se preciso questionar tal “benefício” dos testes em animais. É
grande o número de pessoas, inclusive cientistas, que se opõe a eles, que
demonstram que o que está realmente em jogo é ignorância e muito dinheiro, que
testes em animais não são a melhor forma de saber o que certo produto gerará em
humanos. Basta pesquisar (e lembrar que, mesmo que fosse útil, há anteriormente
uma barreira ética).
Poderíamos
ainda seguir questionando nosso modelo de medicina e o quanto de nossas doenças
não foram geradas justamente pelo nosso estilo de vida, pela indústria, pelas
mesmas corporações que criam também medicamentos. Mas isto é tema para outro
momento.
Outro
argumento comum dos críticos aos opositores aos testes em animais,
especialmente aos ativistas contrários ao Instituto Royal, é que este está em
conformidade com a lei. Bom, talvez nem esteja, pois diz o código penal no
Artigo 391:
Praticar
ato de abuso ou maus-tratos a animais domésticos, domesticados ou silvestres,
nativos ou exóticos:
Pena –
prisão, de um a quatro anos.
§ 1o
Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em
animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem
recursos alternativos.
§ 2o A
pena é aumentada de um sexto a um terço se ocorre lesão grave permanente ou
mutilação do animal.
§ 3º A
pena é aumentada de metade se ocorre morte do animal.
(E desejo
que um dia este condicional “quando existirem métodos alternativos” seja
retirado).
Mas, para
além de se há ou não métodos alternativos para os testes lá realizados (e
parece que há, mas não vou me meter em uma questão que não sou especialista),
me vem uma dúvida que me parece anterior: você que defende o Instituto Royal,
os matadouros, os criadouros... por estarem dentro das normas da legislação,
teria escravos até 1888, certo?
Concluindo, antes de sair acusando
defensores de animais de hipócritas, alienados, iludidos ou sentimentaloides
incapazes de pensar, pense você: que direito o ser
humano tem de escravizar animais e usá-los como sustentáculos de testes de
substâncias para checar qual reação poderá vir a gerar em seus organismos?
Quando tiver respondido a isso, aí sim discutamos as questões pragmáticas da
produção de medicamentos.
Dennis
Zagha Bluwol, 2013
[1]http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/eu-exijo-que-seres-humanos-passem-a-ser-tratados-por-aquilo-que-sao-animais-eu-exijo-que-uma-crianca-tenha-a-mesma-importancia-de-um-beagle/
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